Quem, quando, onde e por quê?
A sala de aula sob uma perspectiva sociohistórica

Adriana Nóbrega Kuschnir
PUC-Rio


Neste artigo objetivo discutir a relevância de uma abordagem de sala de aula de acordo com a perspectiva sociohistórica. Acreditando que o aluno é um ser ativo no processo de aprendizagem, onde o ‘outro’ exerce papel fundamental em sua interação com o universo que o cerca, proponho que o processo de socioconstrução de conhecimento seja entendido levando-se em conta o momento sociohistórico e cultural em que este mesmo processo está ocorrendo. Para tanto, comento alguns dos princípios teóricos propostos por Bakhtin (1981[1929]) Vygotsky (1998; 2001) e Mercer (1994; 2000), discutindo como esses autores muito contribuíram para uma nova abordagem de sala de aula, mais centrada no aluno e em seu processo pedagógico.

Palavras-chave: interação, sala de aula, socioconstrução do conhecimento, perspectiva sociohistórica.


INTRODUÇÃO

        Uma visão sociohistórica de sala de aula privilegia a interação, a importância que o outro possui no processo de socioconstrução de conhecimento. Desta forma, quem?, quando?, onde? e por quê? são perguntas chave para que possamos entender a sala de aula como um espaço historicamente localizado. Entender quem são os participantes dessa interação pedagógica, identificar o momento (quando) e local (onde) em que está se desenvolvendo o processo de socioconstrução do conhecimento, bem como compreender o porquê destes participantes se encontrarem unidos nesse processo educacional, muito contribui para uma abordagem sociohistórica da sala de aula. Assim, essa perspectiva centra-se em cada indivíduo presente em um dado momento particular de socioconstrução de conhecimento, bem como na sua relação com o outro interacional. Segundo Magalhães (1996:6), “o sujeito é constituído pelos relacionamentos com os outros. ‘Eu’ e ‘Outro’ são conceitos relacionais e não duas entidades que são formadas separadamente e então entram em contato”. Tal afirmação torna-se relevante, já que uma perspectiva pedagógica sociohistoricamente concebida defende a idéia de que o conhecimento é construído com esse‘outro’ durante as múltiplas interações de sala de aula.
        Esta visão sociohistórica de conhecimento e da sala de aula, em que o outro exerce papel fundamental, pode ser discutida de acordo com as perspectivas teóricas de Vygotsky (1998; 2001) e Bakhtin (1981[1929]), pensadores russos cujas idéias muito contribuíram para o desenvolvimento de uma nova pedagogia, para uma nova forma de se entender o processo de ensino e aprendizagem. Também a abordagem neovygotskiana (Mercer, 1994; 2000) é fundamental para esta visão construcionista de conhecimento, em que através da linguagem se torna possível alcançar o desenvolvimento e a aprendizagem. Neste artigo, entretanto, apenas farei uma breve apresentação de alguns dos principais pressupostos desses autores, discutindo a sua relevância para o contexto da sala de aula.

A SALA DE AULA: UMA VISÃO CONSTRUCIONISTA

        Os diversos estudos realizados em salas de aula têm salientado a necessidade de criação de contextos interacionais em que alunos e professores construam conjuntamente significados sobre o mundo no qual estão inseridos, seja ele interno ou externo à sala de aula. A construção desse mundo se faz através da interação com o outro pela linguagem, a qual é considerada como característica fundamental do homem enquanto ser social (Kuschnir, 2001).         Ao mesmo tempo em que o sujeito é influenciado pela sociedade que o cerca, ele igualmente vai transformando-a e reconstruindo-a (Moretto, 2000). Esse princípio pode ser estendido até o ambiente de sala de aula, em que, ao mesmo tempo em que o aluno vai construindo seu conhecimento, vai igualmente contribuindo para a co-construção do conhecimento dos outros participantes dessa interação: professores e outros alunos. O aluno, então, não pode ser visto apenas como um produto do contexto escolar, mas sim como um agente ativo na construção desse contexto, e a visão de aluno como produto de uma aprendizagem deve ser descartada. Enquanto educadores, devemos entender a educação como um processo de construção do conhecimento compartilhado e construído pela ação conjunta de todos os participantes da interação em sala de aula.
        A interação em sala de aula, que em seu sentido amplo se relaciona com qualquer troca de palavras entre pelo menos dois interlocutores, como entre professor/aluno ou aluno/aluno, possibilita a construção do conhecimento (Magalhães, 1996; Germain, 1996). Como apontado por Smolka & Góes (1996), é através dos outros que o sujeito estabelece relações com objetos de conhecimento, isto é, a elaboração cognitiva se funda na relação com o outro. Deste modo, entendemos que o aluno é um ser ativo no seu processo de aprendizagem, em que o outro exerce papel fundamental na sua interação com o contexto que o cerca. Os conhecimentos não são transmitidos, mas estão sempre disponíveis neste mesmo contexto, onde sua realidade é constantemente construída pela linguagem.
        A sala de aula é um local de diversas interações em que a linguagem é um elemento fundamental, já que é através dela que a socioconstrução do conhecimento se dará. Por ser a linguagem, então, fator inerente à aprendizagem, uma discussão sobre a Filosofia de Linguagem proposta por Bakhtin (1981[1929]), bem como a abordagem de aprendizagem proposta por Vygotsky (1998; 2001), se tornam importantes para a análise da sala de aula. Não podemos deixar de lado, porém, os estudos neovygotskianos, como os de Mercer (1994; 2000), por exemplo. Esses últimos muito contribuíram para a continuidade da proposta sociohistórica inicialmente postulada por Vygotsky. A seguir, realizo uma breve discussão sobre os principais aspectos e contribuições das idéias desses autores.

BAKHTIN E VYGOTSKY: PRINCÍPIOS INOVADORES

        Os inovadores princípios de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) e Lev Semyonovitch Vygotsky (1896-1934) trouxeram para a educação contemporânea uma visão mais socializada da sala de aula. O aluno passou a ser visto como agente ativo na construção do conhecimento, e teve sua presença sociohistoricamente valorizada dentro do contexto maior de sala de aula. Passou-se a considerar que cada palavra dita tem um valor ideológico, através do qual podemos conhecer alunos e professores.
        O posicionamento dialético de Vygotsky e de Bakhtin (e seu Círculo) contribuiu imensamente para a noção de que, segundo Souza (2000:103), “a verdade não se encontra no interior de uma única pessoa, mas está em processo de interação dialógica entre pessoas que a procuram coletivamente”. Moita Lopes (2001) considera a “verdade socialmente construída”, e essa idéia proposta pelo autor é por mim compartilhada neste artigo. A realidade passa a ser polifônica, ou seja, composta por múltiplas vozes que se encontram durante as interações sociais. Na relação professor/aluno, enquanto aquele perde seu papel autoritário e de detentor do saber, esse passa a vivenciar ativamente seu conhecimento.
        A posição inovadora de Bakhtin e Vygotsky funda-se essencialmente na nova visão de ser humano, enquanto ser ativo e operante. As influências de ambos os pensadores devem ser vistas não como bases teóricas pedagógicas de aprendizagem, mas sim como subsídios para a instituição de uma educação mais significativa para cada participante da interação no contexto escolar.

Uma nova concepção de ser humano

        O momento histórico pós-revolucionário da Rússia foi o cenário onde Bakhtin e Vygotsky desenvolveram seus pensamentos, compartilhando do mesmo ambiente teórico ideológico e procurando contribuir para a formação de uma nova sociedade socialista. Apesar de não existirem evidências de que os dois teóricos tenham se conhecido pessoalmente (textualmente, apenas Bakhtin faz menção a Vygotsky à página 57 de seu livro O Freudismo, 1925), eles possuem muitas idéias em comum. Bakhtin e Vygotsky foram condenados ao ostracismo stalinista. Bakhtin passou por 34 anos de silêncio até a republicação de sua obra sobre Dostoievski em 1963, enquanto Vygotsky morreu prematuramente sem presenciar a chegada de seu pensamento ao ocidente, com a publicação de sua monografia Pensamento e Linguagem, em 1962.
        Freitas (1996:168) considera que não se pode deixar de cogitar um diálogo entre esses grandes pensadores russos, colocando que “há toda uma intertextualidade em suas obras, muitos elementos em comum e uma série de aspectos complementares”. Isso nos leva à conclusão da existência de um pensamento comum em relação a diversos aspectos. O mais significante destes aspectos é, sem dúvida, a nova concepção de indivíduo por eles postulada. O homem é observado como um ser histórico e social, operando ativamente em suas relações sociais, no todo de suas interações, através de um marxismo que entende o sujeito como sujeito social historicamente situado. Para tanto, Vygotsky e Bakhtin se dedicaram à construção de uma psicologia e de uma filosofia de linguagem onde seus fundamentos não deviam ser fisiológicos nem biológicos, mas sim sociológicos (Bakhtin, 1981[1929]). Dessa forma, passa a haver uma relevância do diálogo, do outro, da mediação nas interações.

A linguagem e a construção do indivíduo

        A linguagem tem papel central nos pensamentos de Bakhtin e Vygotsky. Para eles a linguagem é o meio pelo qual o indivíduo percebe o sentido das coisas, bem como é através dela que o homem se constrói enquanto sujeito. É através da linguagem que o indivíduo organiza sua vida mental; e esta se estabelece como elemento essencial na constituição da consciência e do indivíduo. A palavra passa a possuir enorme valor, já que é através dela que é estabelecida a interação social. A consciência e o pensamento são construídos com palavras e idéias que se formulam nas interações, em que o outro tem um papel significativo. Assim, a realidade humana passa a ser conhecida a partir da análise da linguagem, e Bakhtin e Vygotsky procuram estabelecer a relação dela com o sujeito, bem como as relações de um sujeito com outros sujeitos e com a sociedade em geral. A linguagem constrói o pensamento e o próprio sujeito, sendo que é por meio dela que o ser humano constrói sua realidade, seu universo, situando-se e sendo situado sociohistoricamente.
        Os pensamentos de Vygotsky e Bakhtin influenciaram profundamente a pedagogia contemporânea. Os estudos relativos à linguagem realizados pelos autores levaram a um novo enfoque da linguagem na educação, que passa a ser vista como forma de situar os participantes da interação escolar no ambiente em que estão atuando. Igualmente, este novo enfoque de linguagem passa a ser considerado um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento de uma nova forma de ver a aprendizagem, mais centrada no aluno, que passa a ser construtor ativo de seu processo educacional.
        Sem dúvida, a nova visão holística proposta pelos pensadores russos foi de grande relevância para a educação atual. A visão do homem em sua totalidade, em seu momento sociohistórico de desenvolvimento foi de crucial influência para a construção de um novo olhar do processo de ensino e aprendizagem. Foi a partir do momento de inclusão dos aspectos sociais e históricos de cada indivíduo em seu processo educacional que se passou a observar o ambiente escolar como possuidor de uma pluralidade. Não mais a visão de homogeneidade poderia prevalecer, já que agora se acredita que é a partir das interações entre seres singulares que o desenvolvimento e o conhecimento são construídos. Palavras como mediação, interação, negociação e contexto, entre diversas outras de caráter sociohistórico, passam a ser elementos constantes em estudos educacionais. O novo momento educacional é o de unidade social, de coletividade.

BAKHTIN E O OUTRO

        Bakhtin era um revolucionário para o seu tempo. Participando ativamente com seu Círculo do momento de euforia da construção de uma nova sociedade russa, criticou o formalismo russo, opondo à sua monotonia monológica uma visão de mundo pluralista, polissêmica e polifônica. Mesmo não sendo a psicologia o tema central de sua abordagem, Bakhtin dedicou a essa área um olhar especial. Seu maior interesse nessa área era relacionado, segundo Freitas (2000:125) “à necessidade de compreender a construção da consciência e, por aí, apreender especificidades da criação artística”.

A linguagem sob a ótica bakhtiniana

        Bakhtin (1981[1929]) considera a língua um fato social, cuja existência se funda nas necessidades de comunicação. Valorizando a fala e a enunciação e afirmando sua natureza social e não individual, Bakhtin coloca que “a fala está ligada às condições de comunicação, que, por sua vez, estão ligadas às estruturas sociais”. Assim, acredita que a linguagem jamais pode ser separada de seu conteúdo ideológico ou vivencial. Essa separação ocasiona monólogos mortos, isto é, ocasiona uma enunciação monológica.
        A palavra ocupa um lugar de destaque na teoria bakhtiniana de linguagem. Ela exerce a função de signo e é um fenômeno ideológico, sendo o mais puro e sensível modo de comunicação social. É necessário atentar para o sentido da palavra, que é totalmente determinado pelo contexto. De fato, há tantas significações possíveis quanto contextos possíveis. No entanto, nem por isso a palavra deixa de ser una, não sendo desagregada em tantas palavras quanto forem os contextos nos quais ela pode ser inserida.
        Bakhtin faz uma diferenciação entre o significado e o sentido das enunciações, colocando que cada enunciado caracteriza-se por seus significados e sentidos. Bakhtin (1981[1929]) considera o significado enquanto elemento abstrato e dicionarizado, onde há por parte do ouvinte apenas uma compreensão passiva. Em relação ao sentido, este é constituído contextualmente, exigindo uma compreensão ativa e mais complexa, em que o ouvinte relaciona o que está sendo dito com o que ele está presumindo e prepara, então, uma resposta ao enunciado.
        O discurso verbal está ligado à vida e só nela encontra seu verdadeiro sentido; as falas da vida encontram-se estreitamente ligadas às ações cotidianas. É o contexto extraverbal que faz com que o discurso verbal não seja apenas um simples fenômeno lingüístico, mas sim um enunciado pleno de sentido para o ouvinte. Como em qualquer outra interação social, os participantes do ambiente escolar constantemente buscam se situar e serem situados contextualmente.
        Bakhtin acredita que a língua não é um produto acabado, transmitido de geração em geração, como se fosse um objeto a ser herdado. Tão pouco acredita ser através de imitação que a criança adquire sua língua materna. Ao contrário, para ele a língua materna não é adquirida, uma vez que, “os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nesta corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (1981[1929]:108).
        Sob essa visão, o autor acredita que a língua não é transmitida como um sistema finito e definitivo; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. A língua, como sistema de normas, não passa de uma abstração e só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do decifrar de uma língua morta e de seu ensino. Dessa forma, Bakhtin vê a linguagem numa perspectiva de totalidade, integrada à vida humana, em que a comunicação humana (verbal) não pode ser compreendida fora de sua ligação com uma situação concreta.
        A enunciação é vista por Bakhtin como um produto do ato de fala. Toda enunciação é de natureza social, ; portanto, para que possamos compreendê-la é necessário entender que ela está sempre em interação. Um enunciado é sempre produzido em um contexto social, entre pessoas socialmente organizadas, não sendo necessária a presença do interlocutor, mas pressupondo-se a sua existência. O ouvinte ou leitor é, então, caracterizado por Bakhtin como o outro, que é a presença individual ou imagem ideal de uma audiência imaginária.

VYGOTSKY E A EDUCAÇÃO

        Como enfatizado por Vygotsky (2001), a educação tem suas origens na sociedade e na cultura, sendo mediada pela linguagem. Segundo Oliveira (1993 in Rego 2001:55),

... a cultura não é pensada por Vygotsky como algo pronto, um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas como uma espécie de ‘palco de negociações’, em que seus membros estão em constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados.

        O aluno, enquanto sujeito, constrói o seu conhecimento bem como sua realidade social através das interações. Essa visão de aprendizagem salienta a construção do significado e do conhecimento como um processo social, onde os participantes, através do diálogo, criam um conhecimento comum. Para Vygotsky, a aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento desde o início da vida humana, sendo “um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (Vygotsky, 1984 in Castorina, 2001:55). Com essa visão de desenvolvimento pleno do ser humano, Vygotsky entende que o aprendizado se realiza em um determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da mesma espécie. Partindo do pressuposto da necessidade de estudar o comportamento humano enquanto fenômeno histórico e socialmente determinado, Vygotsky se dedica a estudos que demonstrem a idéia de que o pensamento humano é culturalmente mediado, em que a linguagem é o principal meio dessa mediação. Sua formulação teórica é conhecida como a teoria histórico-cultural ou sociohistórica, possuidora do objetivo maior de “caracterizar os aspectos tipicamente humanos de comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formam ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo” (Vygotsky, 1984 in Rego, 2001:38).

A socioconstrução da aprendizagem

        O processo de aprendizagem ocorre em dois estágios dinâmicos, o interpessoal e o intrapessoal, de acordo com a forma que a criança internaliza sua experiência pessoal. John-Steiner & Souberman (1998:171) assinalam que, segundo Vygotsky,

Toda a função aparece duas vezes, em dois níveis, ao longo do desenvolvimento cultural da criança; primeiramente entre pessoas, como categoria interpsicológica e depois dentro da criança, como categoria intrapsicológica. Isso pode ser igualmente aplicado à atenção voluntária, memória lógica e formação de conceitos (itálicos no original).

        Assim, durante seu processo de aprendizagem, é através de suas relações com os outros que a criança constrói seus significados de mundo, sua visão de si mesma e de tudo que a cerca.
        É através de outra estrutura básica, a memória, que a criança constrói sua realidade. É por intermédio de formulações verbais de situações e atividades passadas que a criança é capaz de sintetizar experiências passadas com um determinado momento presente, agindo de acordo com seus propósitos imediatos. A memória da criança torna disponíveis momentos e experiências passadas e os transforma em um “novo método de unir elementos da experiência passada com o presente” (Vygotsky, 1998:48).

A zona de desenvolvimento proximal e a mediação do conhecimento

        Ao descrever os processos de aprendizagem pelos quais passam as crianças, Vygotsky afirma que suas possibilidades de aprendizagem não se encontram no nível de desenvolvimento já alcançado, mas sim além dele, em suas potencialidades. Assim, esse desenvolvimento apresenta-se em dois níveis: o das conquistas já efetivadas – conhecimento real – e o relativo às capacidades em construção – conhecimento potencial. O conhecimento real refere-se àquelas capacidades que a criança já domina, estando apta a utilizá-las sem a ajuda do outro¹. Já o conhecimento potencial refere-se ao que a criança está apta a realizar, porém, mediante a ajuda do outro. Passamos a considerar, enquanto educadores, não apenas os conhecimentos retrospectivos dos alunos, isto é, aqueles conhecimentos já amadurecidos e assimilados, situados no nível de conhecimento real, mas também suas potencialidades prospectivas, os processos que ainda estão em formação e situados em um nível de conhecimento potencial. A distância entre o que a criança se encontra apta a realizar de forma autônoma (desenvolvimento real) e o que ela ainda necessita da colaboração de outros para realizar (desenvolvimento potencial) assinala o que Vygotsky caracterizou como zona de desenvolvimento proximal ou potencial (ZDP). Desse modo, o aprendizado da criança é visto de forma prospectiva, já que a ZDP define as funções que ainda não estão maduras, que estão em processo de formação e maturação. O conceito de zona de desenvolvimento potencial, de acordo com Szundy (2001: 21), pressupõe que “a relação com o social precede a relação com o individual, ou seja, o desenvolvimento se dá primeiro no nível social (interpsicológico) e posteriormente no nível individual (intrapsicológico)”.
        No processo de socioconstrução de uma língua estrangeira, da mesma forma, o conhecimento é construído coletivamente nesses dois momentos: primeiro em nível interpessoal, com a ajuda do outro, e em um segundo momento em nível intrapessoal, quando esse conhecimento já se encontra apropriado.
        O conceito de mediação, proposto por Vygotsky (2001), gera uma nova relação entre alunos e professores. O professor passa a atuar como um elo entre o aluno e seu conhecimento, como uma das ferramentas mediadoras na construção do saber. A noção proposta por Vygotsky (2001) de que a aprendizagem das crianças se inicia muito antes de sua entrada na escola, modifica a noção de ‘aquisição’ do conhecimento. Passa-se a ver a criança como um ser atuante em seu mundo, onde se encontra em incessante processo de busca de significação no contexto sociohistórico em que está operando. A noção de ‘aquisição’ passa então a ser compreendida como socioconstrução, terminologia a que venho dando preferência nesta pesquisa.
        van Lier (1996) argumenta que em um determinado momento existem tarefas e coisas que podemos realizar sozinhos com confiança, quando estamos inseridos na área de auto-regulamentação de nossos atos. Além dessa área, entretanto, existem práticas que só poderão ser realizadas com a ajuda de outras pessoas, conforme comentado anteriormente. No caso de conhecimentos, eles serão apreendidos através de suas conexões com conhecimentos ou experiências anteriores e, mais uma vez, mediadas pelo outro. Em sala de aula é o professor ou o aluno mais competente que exerce essa função. Contudo, cabe aqui comentar brevemente que as interações compostas por dois alunos mais fracos ou menos competentes, à vista do proposto em sala de aula, igualmente podem atuar como mediadoras do conhecimento. Conforme observado por Glachan & Light (1982, in van Lier, 1996:192), “interações entre estratégias inferiores podem levar a estratégias superiores ou, em outras palavras ‘dois errados podem fazer um certo’ ”.
        Ao acreditar que a criança começa seu processo de aprendizagem no momento em que nasce e que esse processo não possui um final, sendo construído e reconstruído durante toda a vida do ser humano, Vygotsky propõe que a escola possui um papel fundamental no seu desenvolvimento. É na escola que a criança irá conhecer os conceitos científicos, e a aprendizagem, antes informal e espontânea, se sistematizará. À medida que a criança atinge níveis superiores de desenvolvimento, os conhecimentos espontâneos e científicos² se encontrarão, e essa mesma criança será capaz de fazer novas generalizações sobre conceitos previamente aprendidos.
        Vygotsky (1998) compara o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira à aquisição dos conceitos científicos, já que a aprendizagem formal (em sala de aula) de uma segunda língua é feita de maneira consciente e deliberada desde seu início. Enquanto que na língua materna o aprendizado das formas primitivas se desenvolve antes das mais complexas, e a criança faz uso da língua inconscientemente, na língua estrangeira o domínio das formas complexas se dá anteriormente ao uso fluente da língua, sendo o domínio das regras gramaticais consciente desde o início de seu aprendizado.

A TEORIA NEO-VYGOTSKIANA

        Neil Mercer, um dos teóricos neovygotskianos, discute em seu artigo Neo-Vygotskian theory and classroom education (1994) novas perspectivas para a teoria neovygotskiana. Segundo o autor, até aquele momento, existia uma longa tradição de pesquisas de base psicológica, sociolingüística e educacional realizadas a respeito da comunicação em sala de aula. Entretanto, o que precisaria emergir seria uma forte teoria de ensino e aprendizagem vista como uma prática social. Mercer salienta que sua abordagem teórica nasce com o intuito de preencher essa lacuna teórica. Uma teoria neovygotskiana incorpora elementos das idéias propostas por Vygotsky, já comentadas anteriormente, com pesquisas pós-vygotskianas, ajudando a formar novos elos teóricos entre diferentes disciplinas que se interessam pelo estudo da língua em uso e pelo ensino e aprendizagem em contextos sociais. Essa abordagem enfatiza que o desenvolvimento do sujeito em sua aprendizagem não é somente um processo influenciado pela cultura, mas fundamentalmente baseado na mesma. O aprendizado é visto como um processo mais social do que individual, sendo comunicativo e gerador de contextos culturais específicos. Essa visão de ensino/aprendizgem como prática social é relevante para este estudo, que privilegia uma visão de aprendizagem como social e culturalmente localizada.
        Para os neovygotskianos, a fala tem papel crucial na transformação do conhecimento, sendo um modo social de pensamento. Falar não é apenas ‘pensar alto’. É através da prática discursiva que ocorre o engajamento em um modo social de pensar. Uma abordagem teórica neovygotskiana julga que é através do falar – e escutar – que informações são compartilhadas, explicações oferecidas e idéias transformadas. Contrariamente a pesquisadores de outras disciplinas, tais como sociólogos e lingüistas, que viam o discurso de sala de aula como um meio através do qual professores procuravam controlar o comportamento de alunos, Mercer propõe que esse mesmo discurso deve ser entendido como “um meio de compartilhar o conhecimento; como um meio pelo qual adultos influenciam a representação da realidade e as interpretações de experiências que as crianças irão posteriormente adotar” (1994:96).

Andaime, zona de desenvolvimento proximal e apropriação

        A assimetria existente nas relações entre os participantes de uma interação escolar – professores e alunos – pode ser representada em três conceitos vygotskianos ou neovygotskianos: zona de desenvolvimento proximal, andaime, e apropriação.
        O conceito de andaime, inicialmente proposto por Wood, Bruner & Ross (1976 in Mercer, 1994:96), corresponde ao tipo e à qualidade da ajuda cognitiva dada pelo adulto no processo de aprendizado da criança. Segundo Bruner, “o andaimento refere-se aos passos dados para a redução do grau de liberdade da criança enquanto realiza uma tarefa, objetivando que a criança se concentre na difícil habilidade que está em processo de adquirir” (Bruner, 1978 in Mercer, 1994; itálicos no original).
        Maybin, Mercer & Stierer (1992 in Mercer, 1994:97) adotam esse termo para a sala de aula e assinalam que deve existir uma diferença entre uma ajuda e o andaime. Segundo estes autores neovygotskianos,

... andaimento não é apenas qualquer assistência que ajude o aluno a executar uma tarefa. É ajuda que permite que o aluno realize uma tarefa que não teria sido capaz de realizar sozinho, como também é a ajuda que objetiva tornar o aluno competente, finalmente capacitando-o a realizar a tarefa por si só.

        O andaime é, portanto, visto como a ajuda oferecida na busca do aprendizado de uma dada atividade que possua fins determinados, bem como a ajuda que leva o aluno a adquirir um nível de independência resultante desse mesmo processo de andaimento. Segundo Magalhães (1996), o conceito de andaime na escola pressupõe uma avaliação sistemática, mas devemos considerar que a discussão desse conceito traz alguns problemas. Como exemplo, a autora comenta que temos a simplificação da complexidade do processo de internalização, uma vez que o foco ainda é colocado na ação facilitadora do professor e, conseqüentemente, na resposta do aluno, ao invés de ser dada uma ênfase maior à construção social, isto é, à construção conjunta do conhecimento ou socioconstrução.
        O já comentado conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) proposto por Vygotsky (1998) é adotado pela abordagem neovygotskiana, que o coloca intrinsecamente conectado a contextos particulares, realçando alguns de seus pontos. Primeiramente, os limites da ZDP de uma determinada criança realizando uma determinada tarefa serão estabelecidos durante o curso dessa atividade, e um elemento chave para o estabelecimento desses limites diz respeito à qualidade das intervenções (andaimes ou suportes) de professores. Outro ponto importante é o fato de uma zona de desenvolvimento proximal não ser um atributo da criança, mas sim um atributo de um evento (Mercer, 1994). Assim, a ZDP é tida como um produto de um relacionamento pedagógico particular, contextualmente situado, e a criança não a leva consigo quando deixa uma sala de aula.
        O terceiro e último conceito adotado pela abordagem neovygotskiana refere-se à apropriação, que representa a característica de que todo processo de aprendizagem é culturalmente situado. Inicialmente proposto por Leont´ev, amigo de Vygotsky, é tido como uma alternativa sociocultural para o termo assimilação, metaforicamente proposto por Piaget³. Segundo Mercer (1994), a apropriação relaciona-se com os significados que as crianças podem obter através de seus encontros com objetos em contextos culturais. No caso da escola, esses objetos significativos seriam os conceitos e as idéias. Mercer ainda salienta que esse processo não diz respeito simplesmente a alunos se apropriando de idéias de seus professores, mas é um processo mais complexo, já que, no processo de ensinar, professores podem se apropriar de idéias de seus alunos.
        Newman, Griffin & Cole (1989 in Mercer, 1994), usam o termo apropriação para explicar a função pedagógica de um determinado tipo de discurso, no qual uma pessoa se apropria de um comentário de outra, retornando-o de forma modificada ao próprio discurso.

O interpensamento

        Em trabalho mais recente, Words & Minds (2000), Mercer analisa a linguagem como forma de pensamento coletivo, apontando que é através da comunicação que a criança irá construir seu conhecimento. Para Mercer (2000:16), a palavra ‘comunicação’ não consegue reportar a real dinamicidade do processo de construção de conhecimento, comentando que,

O termo ‘comunicação’ estimula a visão de um processo linear através do qual pessoas trocam idéias, pensam individualmente sobre as mesmas e então novamente trocam produtos resultantes de esforços intelectuais produzidos separadamente. Isto não faz justiça à dinâmica interação de mentes que a linguagem torna possível.

        Como uma forma de melhor representar um pensamento conjunto, que pode ser relacionado à construção do conhecimento em sala de aula, Mercer (2000:16) introduz o termo interpensamento (interthinking no original) que se refere à “atividade intelectual solidária e coordenada na qual regularmente as pessoas se envolvem através do uso da linguagem”. Por privilegiar uma visão semelhante à de Mercer, proponho que a construção do conhecimento e do pensamento é feita coletivamente, através de um processo de interpensamento.
        Uma das funções da linguagem na educação é o seu uso como ferramenta na construção de um pensamento conjunto, ou seja, na construção do conhecimento. Mercer (2000) caracteriza esse processo de uso da linguagem para a construção conjunta de conhecimento como um processo de interpensamento. Segundo o autor, “a linguagem é uma ferramenta para a realização de atividades intelectuais conjuntas, uma herança caracteristicamente humana desenvolvida para servir às necessidades práticas e sociais de indivíduos e comunidades, e cada criança deve aprender a usá-la eficientemente”(Mercer, 2000:1).
        A linguagem possui essa característica particular de produção de pensamento coletivo. É através dela que os participantes de uma determinada interação compartilham experiências passadas, informações e visões de mundo, conhecidas como conhecimento compartilhado. Esse conhecimento, por sua vez, passa a ter a função de contexto nas interações verbais, servindo de referência para essas interações sociais. Não apenas essas informações são compartilhadas, mas igualmente são transformadas. Usando a linguagem como uma ferramenta, a nova informação é transformada em um novo entendimento.
        Grande parte da construção do conhecimento vem através do outro, isto é, das interações e desse processo de pensar coletivamente, do interpensamento. Mercer (2000:8) comenta que “o pensamento individual e a comunicação interpessoal devem ser integrados”. Entendo que é dessa forma que o conhecimento pode ser construído colaborativamente, com todos os integrantes desse processo atuando de forma solidária. Assim como Mercer, acredito que o termo conhecimento não deve ser usado apenas em referência ao que se encontra dentro da mente dos indivíduos, mas igualmente em relação à soma do que advém do conhecimento coletivo, isto é, do que diz respeito aos recursos sociais, afetivos e cognitivos disponíveis em uma determinada sociedade ou comunidade.
        Em seu livro Common Knowledge, Edwards & Mercer (1987) analisam o desenvolvimento do conhecimento comum em sala de aula, assinalando a existência de dois tipos de conhecimento pedagógico: o conhecimento ritualístico ou processual e o conhecimento de princípio. A análise desses dois tipos de conhecimento faz-se útil neste estudo, já que a partir de sua observação podemos melhor entender a socioconstrução e a transformação de conhecimento em sala de aula.
        Segundo os autores, o conhecimento ritualístico ou processual refere-se ao desenvolvimento de uma tarefa na prática, ou seja, é o conhecimento do aluno de como fazer algo. O segundo tipo de conhecimento, o de princípio, é relativo à compreensão da forma de realização do conhecimento ritualístico, sendo orientado para a compreensão do funcionamento do conhecimento processual. Enquanto que o primeiro tipo de conhecimento, o ritualístico, refere-se a como fazer uma tarefa, o conhecimento de princípio diz respeito ao porquê de realizá-la.
        Ao discutir os pressupostos de Edwards & Mercer, Moita Lopes (1996) entende que, enquanto que o conhecimento ritualístico é caracterizado pela procura da resposta certa para ser dada ao professor, o conhecimento de princípio caracteriza-se por entender o funcionamento do processo de aprendizagem, ao invés de apenas fornecer uma resposta adequada. Moita Lopes ainda argumenta que,

Assim, no desenvolvimento do conhecimento comum em sala de aula, o aluno pode ter sucesso ao dar a resposta certa, isto é, adquirir conhecimento ritualístico, mas fracassar na aquisição de uma competência baseada em princípios, que possibilita a utilização deste conhecimento em outros contextos.(1996:99)


        Normalmente a linguagem possui uma função colaborativa, em que as informações vão sendo trocadas e reprocessadas com o intuito de se obter um determinado sentido. Por permitir que falantes construam conjuntamente esse sentido, reformulando as contribuições verbais dadas por outros falantes e adicionando informações de forma cooperativa, a linguagem pode ser vista como uma fala cumulativa, em que um discurso vai sendo construído tendo por base um discurso anterior e servindo de apoio para um próximo, gerando um discurso mutuamente sintonizado. Essa noção cumulativa da linguagem, proposta por Mercer, pode ser comparada à noção de dialogismo proposta Bakhtin (1981[1929]), que afirma que a linguagem possui um caráter dialógico. Assim, segundo Bakhtin, toda enunciação é um diálogo, fazendo parte de um infindável processo de comunicação. Não existem, portanto, enunciados isolados, já que eles só existem em referência aos que o antecederam e aos que o sucederão. Em relação à fala cumulativa, ela também se relaciona ao pensamento conjunto, ou interpensamento, já que os elementos individuais da comunicação se encontram combinados através do social.
        Quando inserido em interações sociais e discursivas, o participante tem como expectativa que os outros participantes compartilhem seu vocabulário e entendam suas palavras. Entretanto, em diversos contextos isso não acontece. A sala de aula é um exemplo dessa possibilidade de falta de inteligibilidade na comunicação. Isso se deve ao fato da existência de diferentes percepções, por parte do professor e dos alunos, no que diz respeito, por exemplo, à realização de uma tarefa, bem como ao não entendimento dos alunos sobre o que foi proposto. Portanto, segundo Kuschnir (2001), para que o processo de ensino e aprendizagem seja construído é necessário que professores e alunos se envolvam nas atividades conjuntamente, pensando juntos e construindo coletivamente os significados necessários para que a aprendizagem se realize. Assim, conforme apontado por Mercer (2000:43), “a educação se torna um processo de pensamento, guiado através da linguagem, ao invés de ser um mero processo de transmissão de informações”.
        É igualmente necessário que conheçamos o contexto no qual professores e alunos estão inseridos. Esse contexto vai além dos discursos produzidos em sala de aula, e não existe independentemente das pessoas. Com o intuito de combinar atividades intelectuais individuais e alcançar um conhecimento comum, alunos e professores não devem medir esforços para criar um conhecimento contextualizado, construído através do somatório de informações relevantes para cada interagente. A interação verbal é o próprio contexto para a construção desse conhecimento, sendo que, segundo Mercer (2000), o contexto comum de aprendizagem deve incluir, entre outros, os seguintes elementos: o cenário físico, experiências e relacionamentos passados dos participantes, conhecimentos de mundo, valores, crenças, etc.
        Apesar das palavras carregarem consigo seus sentidos próprios, eles variam de acordo com os contextos nos quais são produzidos, adquirindo novos significados em novos contextos. Isto significa que um mesmo grupo de palavras em um determinado contexto não garante o mesmo significado em um contexto diferente, estando cada grupo de palavras passível de diferentes interpretações por diferentes ouvintes. Tal afirmação nos remete aos conceitos propostos por Bakhtin (1981[1929]), comentados anteriormente.

A zona de desenvolvimento intermental

        Baseando-se no já comentado conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1998), Mercer (2000:141) propõe um paralelo entre essa zona e o que ele chama de zona de desenvolvimento intermental (ZDI, Intermental Development Zone no original) e argumenta que é importante que seja desenvolvida uma relação de ensino/aprendizagem baseada nos processos intermental e de interpensamento. Para que um professor realmente ensine e um aluno aprenda, eles devem se envolver discursivamente e conjuntamente criar um espaço de comunicação, que é a zona de desenvolvimento intermental. A ZDI será estabelecida sob as bases contextuais pré-estabelecidas e comentadas anteriormente. É nessa zona de desenvolvimento, constantemente reconstruída de acordo com o desenvolvimento dos diálogos produzidos pelos participantes da interação escolar, que professores e alunos negociam os significados das atividades nas quais se encontram engajados. Se uma boa qualidade de relacionamento é mantida neste locus, o professor torna o aluno capaz de operar além de sua capacidade, e conseqüentemente consolidar suas experiências em forma de novas habilidades e novos entendimentos. Contrariamente, se o diálogo falhar na sua função de manter mentes em sintonia, a ZDI é destruída e o andaime e a mediação desaparecem. A ZDI é um momento contínuo de atividade mental coletiva e contextualizada, cuja qualidade depende dos conhecimentos existentes, das capacidades e motivações tanto de professores como de alunos. O produto dessa zona de desenvolvimento é o interpensamento, o pensar coletivo e a construção do conhecimento. Igualmente, essa ZDI procura propiciar maneiras pelas quais professores e alunos podem conjuntamente contribuir para o processo de aprendizagem através da manutenção de um quadro de referência contextual.
        Por não defender uma visão que considere o conhecimento e o pensamento somente construídos dentro das mentes humanas, acredito que muito pode ser explicado através da manifestação destes, que se dá efetivamente através da linguagem verbal ou não verbal. É fato que não podemos saber exatamente o que uma pessoa está pensando, o que também é um problema encontrado por outras áreas relacionadas ao estudo de cognição humana. Podemos não ‘ver’ o que as pessoas pensam, entretanto, podemos inferir o que elas estão pensando, através do contexto conversacional em que os participantes se encontram inseridos. Dessa forma, lidamos com esse aspecto de forma prática, olhando cuidadosamente para a forma como as pessoas usam a linguagem para resolver seus problemas, colocar seus pontos de vista, criar conhecimento compartilhado, etc.
        Igualmente, podemos compreender através do uso da linguagem como a aprendizagem é construída ao longo do processo educacional. O processo de ensinar e aprender, isto é, de construir coletivamente o conhecimento, é feito através da comunicação não-linear, portanto com o uso da linguagem, geradora de um pensamento conjunto. Esse enfoque não acredita em uma visão do aluno que apenas aceita o que lhe é dado, mas sim em um aluno que opera em cima da informação recebida, interagindo com o conteúdo e criando seu próprio contexto de pensamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Após a discussão de alguns dos pressupostos teóricos apresentados, podemos concluir que a sala de aula deve ser enfocada de acordo com uma perspectiva sociohistórica se quisermos entender esse espaço como um local de socioconstrução de conhecimento. Os pensamentos de Bakhtin (1981[1929]), Vygotsky (1998; 2001) e Mercer (1994; 2000) revelam uma possibilidade de entendermos alunos e professores em sua totalidade, de acordo com o momento e local onde o processo de socioconstrução está se desenvolvendo. Desse modo, podemos compreender o porquê da interação e do processo de ensino/aprendizagem. Uma visão holística dos participantes da interação pedagógica pode nos revelar a realidade da sala de aula.
        O presente estudo se propôs a realizar uma breve discussão sobre algumas das principais contribuições dadas pelos autores em questão, e acredito ser este trabalho apenas um ponto de partida para uma análise mais profunda e detalhada das inúmeras influências de Bakthin, Vygotsky e, posteriormente, Mercer para a educação atual.

NOTAS

1      Segundo Vygotsky, o outro pode ser o pai, a mãe, o/a professor(a) ou alguém mais experiente. No contexto de sala de aula este outro é representado pelo professor ou por um colega, geralmente mais competente.

2      Vygotsky (1998) assinala que os conceitos espontâneos se referem aos conceitos que são formados pela criança em sua experiência cotidiana e pré-escolar, enquanto em contato com o mundo que a cerca: seu meio social, sua cultura, etc. Já os conceitos científicos são adquiridos na escola, sendo a aprendizagem escolar sua fonte geradora. Quando a criança entra em contato com esses conceitos científicos, espera-se que esta possa assimilá-los apesar de não poder vê-los ou vivenciá-los. Os conceitos passam a ser mediadores da relação da criança com um objeto, no caso uma idéia abstrata.

3      O trabalho de Piaget é discutido em Goulart, 1983; Wood, 1996 e Castorina et al., 2001.

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A AUTORA

Adriana Nóbrega Kuschnir atualmente cursa Doutorado em Estudos da Linguagem pelo Departamento de Letras da PUC-Rio. Graduada em Pedagogia pela Universidade Cândido Mendes Ipanema – UCAM, atua na PUC-Rio como professora e pesquisadora de projetos vinculados ao Departamento de Letras. Igualmente, ministra aulas de língua inglesa no IPEL-Línguas/PUC-Rio. Suas áreas de interesse compreendem Análise do Discurso e pesquisas em Lingüística Aplicada voltadas para a sala de aula de língua estrangeira. Dedica-se à pesquisa da interação no contexto pedagógico e a sócio-construção do conhecimento. E-mail: adrianak@let.puc-rio.br.